Nota técnica sobre o Projeto Zona Verde
NOTA TÉCNICA SOBRE O PROJETO “ZONA VERDE”
Os Grupos de Pesquisa “Comportamento em Transportes e Novas Tecnologias (GCTNT)” e “Segurança Viária (GPSV)” integrantes do Programa de Pós-Graduação em Transportes (PPGT), vinculado ao departamento de Engenharia Civil e Ambiental (ENC) da Universidade de Brasília (UNB), vêm por meio desta nota apresentar sua opinião sobre o projeto de Zona Verde proposto pela Secretária de Mobilidade do Distrito Federal. Por muito tempo discutiu-se em Brasília a implantação projetos de estacionamento rotativo, porém sempre pautados sua finalidade teórica que é compor uma estrutura voltada à promoção da mobilidade urbana. Nesse sentido, projetos de estacionamento rotativo são indissociáveis de projetos de transporte público urbano em diferentes modalidades e projetos de infraestrutura de transporte ativo. Baseado nessa finalidade teórica, a proposta de “Zona Verde” é, em tese, benéfica para a cidade. Entretanto, ao analisar os elementos da proposta apresentada o GCTNT e GPSV julgam que o projeto “Zona Verde” contradiz essa finalidade e os próprios objetivos anunciados na Audiência Pública. Assim, para uma melhor compreensão do nosso entendimento técnico sobre o projeto em questão, elencamos as seguintes considerações:
- Brasília, desde sua criação, apresenta características territoriais que a tornam única, tais como a setorização de atividades, a sua configuração arquitetônica, a concentração das instituições públicas na área central e a forte dependência de mão de obra das cidades do entorno. Esses aspectos são desconsiderados na proposta, que carece de estudos que demonstrem quantitativamente os benefícios e impactos, no curto, meio e longo prazo, da implantação do projeto.
- Considera-se precitada a aplicação de uma cobrança por estacionamento em áreas públicas, sem a melhoria prévia e urgente do transporte público. Fosse esse o caso, o projeto ofereceria um retorno positivo à população e garantiria que o desestímulo ao uso automóvel viesse acompanhado de um sistema de transporte público inclusivo e com qualidade.
- Entende-se que, pela envergadura da proposta, de 30 anos de concessão, são necessárias contrapartidas condizentes com os objetivos anunciados, que requerem instrumentos de acompanhamento e fiscalização, tanto pelos atores e coletivos sociais, quanto pelas instituições jurídicas responsáveis. Entretanto, a única contrapartida mencionada trata do plantio de árvores, medida incompatível com o fim do projeto. Ainda que fosse esse o benefício para a população, a fiscalização de seu cumprimento demanda minimamente, o levantamento das áreas e identificação da vegetação já existente nesse local, características do solo, avaliação da necessidade de medidas preparativas para o futuro plantio, definição das espécies de plantio, cronograma, dentre outros.
- As planilhas de custo do projeto carecem de indicação de recursos para aplicação em obras compatíveis com a promoção de mobilidade. Inclusive, foi informado na Audiência Pública que, por lei, o recurso captado pelo GDF deverá ser destinado ao Fundo Previdenciário do Distrito Federal. Além de ser tecnicamente desconexa da realidade, a destinação do recurso para esse fundo é uma medida questionável junto à coletividade, que será onerada sem qualquer garantia de benefício.
- Todavia, projetos dessa natureza são formas de tarifação cruzada, isto é, fonte de receita para subsidiar transporte público. Assim, a proposta da Zona Verde precisa destacar explicitamente em seus documentos que a Arrecadação será necessariamente aplicada em mobilidade urbana e não em despesas correntes e pessoal.
- Também, além dos aspectos diretamente ligados a mobilidade, identificou-se fragilidade nos aspectos econômicos e de livre concorrência apresentados. Em primeiro lugar, verifica-se que a justificativa para o prazo de 30 anos não aparenta ser válida. A SEMOB informou que a larga extensão do prazo é em decorrência de supostos altos investimentos em obras. Contudo, o valor de outorga a ser paga no início do projeto, que é definido em aproximadamente R$ 785 milhões de reais, valor este superior a três vezes o investimento previsto. Portanto, o prazo de concessão de 30 anos é possivelmente resultado do pagamento da alta quantia de outorga solicitada, e não dos investimentos em obras.
- Além disso, falta previsão, no modelo de negócios, quanto a estimativas de receitas acessórias, cujos mecanismos de sua exploração incluem a possibilidade de cobrança por pontos imobiliários ao comércio local, na região central da capital brasileira, com uma das mais altas rendas per capita do país. Entende-se que tal mecanismo pode representar expressiva fonte de receitas, de forma análoga ao observado nos contratos de concessão de terminais aeroportuários.
- Vislumbra-se, adicionalmente, risco à probidade do processo licitatório. Verifica-se inexistência de justificativa para as exigências de qualificação apontadas. Em especial, causa estranheza a indicação de serviços “considerados de maior relevância para o certame”, que soam claramente desconexos aos indicadores de desempenho e qualidade exigidos. Aqui, reside a preocupação do cerceamento da competividade do certame, que claramente deve ser explorada pelo Poder Concedente no ato da licitação pública (maximização dos valores ofertados à outorga anual).
- Percebeu-se, ainda, incoerências na competência administrativa legal da SEMOB para implantação do estacionamento rotativo, visto que a maior parte das vagas se encontra em áreas urbanas. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (art. 24, inciso X), no Distrito Federal, é competência do DETRAN-DF implementar, manter e operar sistemas de estacionamentos rotativos pagos. Contudo, no projeto falta informação e especificação do momento em que esse órgão participou ou participará das etapas da elaboração e da execução do Projeto da Zona Verde.
- Ainda, a SEMOB, na apresentação da Audiência Pública do projeto, cita pesquisa de mercado que mostraria aparente apoio da população à sua implementação. Questionase os resultados apresentados, pois são desprovidos de explicação relativa à metodologia empregada na pesquisa. Assim, esses dados tornam a proposta frágil na sua representatividade dos usuários de estacionamentos públicos, potenciais futuros usuários da Zona Verde.
- Por fim, de forma geral, percebe-se que a proposta “Zona Verde” é um projeto isolado, mas que deveria estar atrelado a outros projetos de mobilidade do DF. Além disso, é necessário avaliar o impacto da proposta no uso do automóvel para deslocamentos de média e longa distância. O planejamento de mobilidade urbana deve objetivar sua melhoria como um todo. No entanto, como o projeto de estacionamentos rotativos independe de recursos públicos, é possível que ele seja aprovado, enquanto os demais projetos de mobilidade permaneçam paralisados, tal qual ocorre com o projeto do VLT ou do metrô da Asa Norte.
Apesar de esforços em trazer a população para o debate, o projeto em questão teve um tempo muito curto para se promover a discussão necessária à avaliação da proposta quanto aos seus benefícios para a sociedade. Diante desse contexto, a Universidade de Brasília por meio do Programa de Pós Graduação de Transportes (PPGT-UnB), dos Grupos de Pesquisa CTNT e GPSV, e do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru) lançarão, em breve, o “Fórum Permanente de Discussões sobre a Mobilidade e Transportes em Brasília”, para construir um debate amplo, participativo e criar alternativas tecnicamente viáveis nos aspectos econômico, técnico, ambiental e social. O primeiro tema do Fórum será “Impactos da Implantação da Zona Verde em Brasília”, e para isso, serão convidados especialistas na área de transportes e áreas correlatas, além dos gestores do projeto, para o debaterem sobre o tema. Assim, objetiva-se a construção de uma alternativa mais adequada à realidade de Brasília, que possibilite uma cidade mais igualitária, inclusiva e participativa.
Brasília, 15 de agosto de 2010.